''No final dá tudo certo''
Essas palavras não deveriam ser utilizadas juntas numa mesma frase, afinal:
''Final'': não existe final, nada nunca acaba. Tudo que acontece é uma mistura de algo que começou há um tempo e construirá coisas que acontecerão dali pra frente.
''Tudo'': não temos noção de tudo que compõe o todo e, mesmo que achemos que algo ''acabou'', pode acontecer alguma coisa nova que reative o - supostamente - acabado. ''Na natureza nada se cria, tudo se transforma'' (somos natureza).
''Certo'': ''certo'' é, na verdade, ''saiu como ou melhor que o esperado'' - é sobre medos e desejos, sobre expectativas, sobre até onde a nossa imaginação pode ir para criar cenários.
Dito isso...
A vida é uma sequência de acontecimentos, ponto. (leia novamente)
Nós é que temos uma necessidade de isolá-los e classificá-los como bons ou ruins, de acordo com o que queremos, para definirmos ''ganhei/perdi''. Egocentrismo disfarçado.
Cada um conta pra si mesmo a história que é capaz de escrever. É uma questão de estilo, somos todos diretores da nossa vida. O ponto é que, esse sistema de entender cada coisa que acontece como um fato isolado não é coerente com o sistema da vida.
Somos seres humanos (não seres de luz) e, apesar de todos os cards do instagram, estamos longe de confiar no processo ou de sermos grat@s por tudo que nos acontece (''bom'' ou ''ruim'').
Vamos ter medo, vamos duvidar, vamos ficar pra baixo, achar uma b$%#a, ficar ansiosos, frustrados, pensar coisa ruim, etc.
Os livros sobre filosofia budista (e companhia) são, apenas e só, um entretenimento para ''nos distrair'' de como realmente somos: seres humanos não evoluídos. Afinal, eles foram escritos por, ou com base em, 0,0000000005 % de pessoas (pessoas?), que encarnaram neste tempo e espaço com a missão de mostrar como é possível ser/agir daqui, talvez, 5 mil anos, ou em um planeta que não seja a Terra, ou em uma realidade paralela…
Até aqui tudo bem, tá?
A seguir, a parte que me deixa p$%!.
O que f%$# com tudo são as redes sociais, cheias de pessoas felizes (?) que descobriram o que fazer para ter uma vida perfeita (?) e que tem a solução mágica (à venda) para que a nossa vida se torne perfeita como a delas. ''Good vibes only'', livros, aulas de yoga, mindfulness, retiros, dietas, rituais, shots, receitas, suplementos, que garantem uma vida plena e, claro, a iluminação (risos).
Isso tudo é ilusão, gente. Alô? Terra chamando.
Revoltas a parte (mas nem tanto)...
Por mais que se tenha consciência disso tudo, é humanamente impossível se blindar da quantidade de balas que nos atiram à queima roupa. Gatilhos via pequenas telinhas. Ah, e os cursos pra ensinar os gatilhos perfeitos? Quão malévolo é isso.
Viver consciente é um desafio solitário, como todo o movimento que se faz no contra fluxo.
A boa notícia (temos): o contrafluxo não tem trânsito.
Histórias da vida real:
Esses dias saí cedinho para uma consulta. No prédio do consultório, uma senhora entrou no elevador comigo. Ali já estavam uma moça e um garoto, este olhando o celular e com fones. Subimos.
O garoto saiu no andar errado pois estava no celular, distraído. A senhora falou (em tom gentil e divertido) ''Tá difícil hoje em dia, né?'' Ele sorriu e concordou.
Quando ele saiu, de fato no andar certo, ficamos só eu a senhora e trocamos algumas palavras sobre essa coisa de celular, jovens, etc.
Agora, o ápice do encontro:
Cheguei no meu andar, o nono, saí do elevador me despedindo com um sorriso.
Desejei um bom dia e ela soltou essa:
''Não seja manada''
Coloquei a mão para impedir que a porta do elevador fechasse.
''O que?'' (Mandada? Mamada? Mandala? Pensei…)
''Manada. Não vá com os outros.''
''Ahhhh! Manada? Efeito manada?''
Ela só mexeu a cabeça em sentido positivo.
''Ah… Tá… Ok… (?!?!?!)''
''Por favor, libere a porta.'' (Voz da mulher do google).
Liberei a porta com uma cara de pastel. Ela se foi, lançando aquele olhar por cima do óculos, de quem sabe o que falou.
Acho que eu assimilei hoje (depois de um mês) a totalidade desse encontro.
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